Projeto Político Pedagógico

Este curso terá sua oferta universal, dedicado aos interessados em lecionar na Educação Profissional, especialmente nos cursos técnicos de Nível Médio
Exigência Legal A LDB (Lei nº 9.394/1996) preceitua que o magistério da educação básica seja exercido por professores habilitados para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio (Artigo 62 da LDB), assim, a Educação Profissional enquanto oferta associada à educação básica, especialmente o ensino técnico, se inclui nessa categoria. As diretrizes do ensino técnico, recomendam para a formação desse profissional, que:
"Na realidade, em Educação Profissional, quem ensina deve saber fazer. Quem sabe fazer e quer ensinar deve aprender a ensinar. Este é um dos maiores desafios da formação de professores para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. É difícil entender que haja esta educação sem contar com profissionais que estejam vinculados diretamente com o mundo do trabalho, no setor produtivo objeto do curso. Entretanto, os mesmos precisam estar adequadamente preparados para o exercício da docência, tanto em relação à sua formação inicial, quanto à formação continuada e permanente, pois o desenvolvimento dos cursos técnicos deve estar sob responsabilidade de especialistas no segmento profissional, com conhecimentos didático-pedagógicos pertinentes para orientar seus alunos nas trilhas do desenvolvimento da aprendizagem e da constituição dos saberes profissionais. A formação inicial para o magistério na Educação Profissional Técnica de Nível Médio realiza-se em cursos e programas de licenciatura ou outras formas, em consonância com a legislação e as normas específicas que regem a matéria, de modo especial, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação. Os sistemas de ensino devem viabilizar essa formação, podendo ser organizada em cooperação com o Ministério e Secretarias de Educação e
com instituições de Educação Superior".
A formação inicial, porém, não esgota o desenvolvimento dos professores da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, cabendo aos sistemas e às instituições de ensino a organização e viabilização de ações destinadas à formação continuada (inciso II do art. 67 da LDB). CNE/CEB Parecer 11/2012.
A Lei dos Institutos Federais (Lei 11.892/2008) preconiza, para sua oferta em nível superior, a oferta de “cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com vistas na formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática, e para a educação profissional”. Considerando apenas a oferta de cursos técnicos em Santa Catarina, estima-se haver mais de quatro mil professores em atividade na Educação Profissional (EP), sem qualquer formação pedagógica. Somando-se à vocação legal dos Institutos Federais na formação de professores para a EP e a demanda estadual dessa formação, constata-se premente e plausível justificativa para essa oferta. Com o advento do novo ensino médio, pela Lei 13.415/2017, definindo itinerários formativos, especialmente o quinto itinerário “Formação técnica e profissional", a demanda por docentes da EP deverá crescer enormemente.
A formação docente para a EP, conforme as Diretrizes Nacionais, pode ocorrer em distintas formas:
1. Curso de Licenciatura para Educação Profissional, como complementação pedagógica;
3. Curso de Pós-Graduação para Docência na EP associado a uma formação superior;
4. Certificação de Saberes e Competências, conforme regulamentação do Artigo 41 da LDB.
Tendo como foco principal a formação de professores para a Educação Profissional, o CERFEAD propõe a presente Pós-Graduação, com três premissas básicas:
● A formação em serviço de professores da Educação Profissional, já graduados;
● A formação de professores para a Educação Profissional que, tendo diploma de bacharelado ou tecnologia, possam especializar-se nessa modalidade educativa;
● A certificação de saberes e competências, no âmbito do Sistema RE-SABER, utilizando este curso como referência para a implementação de um processo de reconhecimento de saberes e competências laborais para a docência na Educação Profissional.
Formação para o trabalho e para a técnica: concepções basilares
Em uma primeira definição, a educação profissional é a formação para o trabalho. Trabalho, por sua vez, pode ser entendido como a atividade social humana de produção de bens e de serviços que mantém nossa existência. Essas são atividades que cada um de nós desempenha ao longo de sua vida laboral como parte de uma sociedade dinâmica, organizada em torno de profissões diversas e em permanente transformação.
A espécie humana distingue-se dos animais de várias formas, como através da linguagem, da religião, da arte, etc. Além disso, uma das principais características da nossa humanização é a utilização de ferramentas e métodos para produzir os meios para nossa subsistência e, em geral,
nossos modos de vida. Assim, o homo sapiens (definição da biologia) é também um homo faber, isto é, fabrica seus meios de vida (conceito já elaborado por filósofos como Marx, Bergson, Arendt, Weill, Sennett, entre outros). A capacidade humana de fabricar e utilizar instrumentos, ferramentas e métodos para produção de sua existência chama-se técnica. Assim, a técnica é a propriedade caracteristicamente humana de utilizar os mais variados recursos materiais e imateriais para produzir seu alimento, indumentária, habitação, remédios, cinema, literatura e assim por diante. Dependendo da cultura que se instaura nas comunidades e sociedades, criam-se tarefas ou atividades para os indivíduos, que também usufruem do trabalho dos demais. Ainda que tal usufruto não se dê de forma igualitária e varie de acordo com o modelo político e econômico de cada sociedade, todos dependemos sempre do trabalho alheio e dos mais variados profissionais. Porém, por já estarmos mergulhados em um mundo assim organizado, nem sempre reconhecemos a importância de cada uma dessas profissões. Rose relata, inclusive, o “fenômeno da invisibilidade de muitos trabalhos e trabalhadores”, o que reflete uma escala de valores sociais das profissões (ROSE apud BARATO, 2015, p. 21). Compreendendo a técnica como a capacidade humana de transformar a natureza e as práticas culturais para sua existência, entendemos que, quando tomamos uma faca e descascamos um alimento para, em seguida, cozinhá-lo e temperá-lo para ser servido, a técnica culinária está em ação para nos alimentarmos. A técnica é, portanto, o nome de grande parte dos modos de intervenção no mundo de que dispomos, desde os mais básicos para a produção da existência, o que se tornou um desafio mais complexo para nós do que para os outros animais, até os mais sofisticados. Por exemplo, quanta técnica foi envolvida e quantos técnicos trabalharam no famoso acelerador de partículas do CERN? Quanta técnica o escritor, o ator ou o cineasta usa
para lapidar sua obra? Através da linguagem e, mais amplamente, do compartilhamento da experiência, as gerações vão se apropriando dos saberes e dos fazeres da técnica, que elas reproduzem, alteram ou transformam diante de velhos ou novos desafios. Às vezes esquecem técnicas também, seja porque delas não precisam mais ou porque outras ganharam predomínio social ou econômico. Em todo caso, a inovação, como evolução da técnica, está relacionada a essa abertura de outras possibilidades para as comunidades, algo que se dá nos diversos mecanismos de articulação e disseminação de saberes. Um importante mecanismo nesse processo de disseminação é a educação profissional. Constatamos, então, que todo trabalho, toda profissão, envolve o uso de técnicas, de modo que Álvaro Vieira Pinto, importante filósofo brasileiro da técnica, chega à seguinte definição: enquanto atividade, o trabalho pode ser considerado o exercício social da técnica (VIEIRA PINTO, 2013). Importante destacar que não há compartilhamento de técnicas nem educação profissional sem a
dimensão da experiência. Pode-se falar a respeito de uma técnica, pode-se entender os procedimentos e os conceitos envolvidos, sem, contudo, saber pô-la em prática.Dessa forma, não é apenas na oferta escolar tradicional, que privilegia a experiência abstrata ou discursiva, cuja importância não nos ocorre contestar, que os valores são aprendidos (BARATO, 2015). É na ação que muitos dos valores que pretendemos transmitir são significados e aprendidos, especialmente em situações de aprendizagem de uma profissão, quando um modo de interação muito particular com a sociedade se organiza e uma relação especial do sujeito aprendiz com sua obra se estabelece.
Dimensão epistemológica da Educação Profissional
As concepções iniciais sobre técnica, apresentadas aqui, válidas para qualquer tempo, lugar ou sociedade, nos levam a apreciar sua importância. Do acordar ao dormir, estaremos envolvidos em técnicas. Mas, então, por ser tão fundamental na construção da espécie humana, a técnica não mereceria, como outros campos do saber, uma epistemologia, ou seja, uma ciência, com a formulação de princípios e fundamentos, descrições (uma tecnografia), métodos, etc.?
Ora, as técnicas, como saberes fundamentais e complexos do ser humano, precisam ser descritas, compreendidas em sua estrutura lógica, sistematizadas, organizadas, lembradas, transformadas e muitas vezes inventadas. Para isso, há uma ciência: a Tecnologia (no sentido amplo de estudo sistematizado, compartilhado por uma comunidade de praticantes e pesquisadores). Esta é a concepção de Tecnologia escolhida pelo filósofo brasileiro Álvaro Vieira
Pinto, mas também por outros autores (Haudricourt, Sigaut, entre outros) – a Tecnologia (tekhne + logos). Assim, pensada como ciência da técnica, a tecnologia deixa de se confundir com uma simples aplicação da ciência. Isso porque as técnicas têm características próprias, um desenvolvimento
próprio e envolvem um acúmulo de saberes nem sempre pertencentes ou reconhecidos nas demais disciplinas científicas, apesar de muitas vezes se nutrirem dessas. As técnicas agrícolas, por exemplo, desenvolveram-se durante séculos sem a constituição de uma ciência agrária prévia (SIGAUT, 1985). Aos poucos, a agronomia surgiu e passou a conviver interativamente com as técnicas agrícolas. O laço estreito entre as ciências e as técnicas, contudo, não deve
apagar as especificidades mencionadas e sim intensificar o diálogo. Em consequência dessa abordagem de cunho mais epistemológico, acedemos à compreensão de que a formação técnica não pode ser mera decorrência de uma formação científica. Entendese também que a formação para a técnica e para o trabalho requer grande esforço formativo. Torna-se ilusória, pois, a crença de que, formando cientificamente o sujeito, ele poderá exercer diversas técnicas, supostamente “derivadas” das ciências. Uma técnica da eletrotécnica, enfermagem, química, radiologia, etc., envolve saberes, habilidades, atitudes e valores que podem ter (ou não) origem nas disciplinas científicas, mas que se constituem numa área técnica, numa tradição ou corporação profissional. Claro que as técnicas se conectam e apoiam em conhecimentos científicos diversos, tanto das chamadas ciências da natureza como das ciências humanas, mas suas especificidades extrapolam essas últimas. Sua riqueza aparece em nossos currículos de cursos técnicos e resiste à crença em uma formação científica genérica que as englobaria. Por exemplo, um Técnico em Eletrotécnica em atividade em seu ambiente de trabalho desempenha um conjunto de atividades, tarefas, protocolos, que vão muito além do domínio da eletricidade como disciplina da Física. Sua prática está muito mais associada à cultura profissional desenvolvida no ambiente de trabalho com os demais colegas da mesma atividade ou de atividades correlatas do que ao simples domínio dos princípios da eletricidade e
magnetismo (os quais fazem parte de sua formação). Dessa forma, é necessário que a formação técnica esteja referenciada ao ambiente, valores, práticas, métodos e protocolos do mundo do trabalho daquela profissão, e não apenas na fundamentação teórica das tarefas de sala de aula. Sendo assim, o desafio educacional posto com tal perspectiva é o de uma interdisciplinaridade ampla (MORAES, 2016), que consiste não apenas em fazer disciplinas científicas reconhecidas se unirem na compreensão dos fenômenos do mundo, mas também em incorporar a técnica e a tecnologia no diálogo dos saberes, dos fazeres e do saber-fazer na formação para o trabalho e para a cidadania. Enfatizamos, neste Projeto, a importância de uma abordagem epistemológica específica para a
técnica, uma vez que as ciências tradicionais não a contemplam e que ela ajuda a ampliar a compreensão do papel da educação profissional para a sociedade e o indivíduo. Masentendemos tal abordagem como um campo amplo de estudos e reflexões em diálogo. Temos vários aportes teóricos possíveis para isto. Depois das teorizações oriundas das teses de Karl Marx, um dos primeiros grandes filósofos a pensar o trabalho como produção da existência do ser humano e também os problemas econômicos do trabalho, autores como Haudricourt, Richard Sennett, François Sigaut, Álvaro Vieira Pinto, bem como educadores (Paulo Freire tem ampla contribuição aqui), sociólogos e psicólogos do trabalho e diversos outros pensadores permitem pensar a técnica, a tecnologia e o trabalho nos inúmeros aspectos que animam seu emprego, sua transmissão, seus desafios, suas virtudes e seus problemas: antropológicos, sociológicos, psicológicos, culturais, subjetivos, identitários, econômicos, etc.
Outras dimensões do trabalho
Se “o homem se faz naquilo que faz” (ideia desenvolvida por Álvaro Vieira Pinto), isto é, se o seu fazer o constrói a ponto de gerar sua própria consciência, interessa, no âmbito da educação profissional, examinar como ocorre essa humanização pelo trabalho. Considerando as múltiplas dimensões que o trabalho possui para o ser humano, além da produção material da sua vida. Sinteticamente, em termos subjetivos e cognitivos, podemos afirmar que o trabalho (e, potencialmente, a formação para o trabalho) promove identificações do sujeito com grupos sociais diversos e o insere em um novo universo de valores, regras, relações de hierarquia, de reciprocidade, de troca, de solidariedade, de conflito, etc. Coloca-o frente a responsabilidades e problemas a resolver, desafia-o a adaptar-se a novas situações e a aprender não apenas de tarefas prescritas, mas também da conceituação que o sujeito trabalhador realiza a partir da experiência e das situações (PASTRÉ, 2002). A análise do trabalho mostra que a atividade real de trabalho fornece ensinamentos e experiências que não necessariamente se confundem com as instruções de tarefas prescritas (GUÉRIN et al, 2001; PASTRÉ, 2002). Isso pode ser facilmente verificado na atividade do docente, por exemplo, que se depara em sala de aula com situações que o currículo, o plano de aula ou a teoria educacional não contemplaram. Em suma, o sujeito não para de se construir e metamorfosear-se nas provas e provocações do trabalho (CLOT, 1999). Refletiremos sobre algumas dessas dimensões, sem pretender esgotá-las: Comecemos pela dimensão estética do trabalho. Ela se relaciona, em primeiro lugar, com a obra do trabalhador. Barato (2015) traz vários relatos eloquentes a esse respeito. Citaremos apenas dois. Primeiro, o caso de um aluno do curso de eletricidade num canteiro de obras de
habitações populares. Após finalizar a instalação elétrica, o aluno informa ao professor que vai refazer toda a instalação, o que surpreende o docente, já que tudo estava funcionando normalmente. Mas o aluno avaliou que estava “feia”, apesar de correta, e quis alcançar o que considerava seu “padrão de beleza”, digamos, da obra. Outro caso é o do pedreiro que leva a família para ver a casa que estava construindo para eles, destacando a beleza dos detalhes de
acabamentos etc. Em ambos, constatamos uma dimensão estética e pessoal na realização do trabalho. A dimensão pessoal, isto é, a singularidade com que cada profissional atua, poderá, na verdade, ser apreciada em qualquer atividade, apreciada esteticamente ou não, como lembram Guérin et al (2001, p. 18): “Numa metalúrgica, um operário nos disse quem ajustara sua máquina, sem tê-lo visto. (...) Ao receber um cliente, uma funcionária sabe, pelo diálogo que tem com ele, qual a recepcionista que o atendeu”. O caso do eletricista ou do pedreiro revelam ainda um aspecto moral ou ético de compromisso com sua prática, que também caracteriza a identidade do trabalhador. Ambas dimensões dizem respeito a um “sentimento de autoafirmação” do sujeito (BARATO, 2015, p. 21), que, além de obter o que podemos chamar de um “empoderamento técnico”, isto é, a aquisição de uma forma organizada de intervir no mundo e de
produzir sua existência, ganha o seu reconhecimento enquanto autor da obra de seu trabalho e enquanto sujeito (co)construtor da sociedade.
A dimensão ética aqui evocada se desdobra nos valores que a ação do trabalhador envolve, que vão desde aqueles de uma ética profissional típica de uma categoria profissional, passando por práticas educacionais (no âmbito da formação), até valores sociais mais gerais. Mais alguns casos ilustrativos: “um aluno do curso de construção civil comenta que no canteiro de obras não se derruba o fruto do trabalho” (BARATO, 2015, p. 22), prática comum nos cursos de edificações, como quando se derruba muros de tijolos para poder repetir o exercício de construção no mesmolugar. Aqui o aluno ressalta a oposição da prática escolar ao ethos da profissão. Outro caso é o da formadora de cabeleireiros que indica que a preparação de tinta para coloração de cabelos deve ser feita atrás de um biombo, para evitar que a cliente “aprenda o procedimento e deixe de buscar o serviço de cabeleireiras” (BARATO, 2015, p. 22). Aqui uma questão ética se põe: a ética profissional entra em conflito com valores sociais mais amplos. Em todos os casos, há uma “vinculação entre identidade e fazer, geradora de saberes e valores significativos” (BARATO, 2015, p. 25). Entra em discussão, pois, a dimensão identitária do trabalho e da formação para o trabalho, que não pode ser abordada sem ser relacionada com a dimensão cultural do fazer técnico. Para Sigaut (2009), a entrada no mundo do trabalho é, antes de mais nada, a participação de toda uma cultura técnica e profissional, da qual o sujeito passa a fazer parte. Lave e Wenger (1991) também ressaltaram as relações que se travam de forma emblemática nas formas de aprendizagem em “comunidades de práticas” como corporações, onde o saber retirado dos intercâmbios envolve técnicas, valores e desenvolvimento de identidade. Aí, lembra Barato, (...) os aprendizes de um ofício se integram à comunidade, desde o primeiro dia, por meio da produção de obras. Assim, desde o início, a participação na produção, mesmo que em atividades muito simples (pregar botões em uma oficina de alfaiataria, por exemplo), desperta um sentimento de pertencimento à categoria (o aprendiz de alfaiate se percebe como um membro ativo da categoria assim que começa a executar pequenas tarefas vinculadas ao ofício). (2015, p. 26).
Dessa forma, aprende-se com, não só um quê. Assim, aprender “implica tornar-se uma pessoa diferente em relação às possibilidades abertas por estes sistemas de relações” (LAVE e WENGER, 1991, p. 53). Mas a dimensão da cultura técnica de uma profissão, longe de ser fechada, é aberta e conectável aos outros planos da cultura. O registro identitário para o sujeito trabalhador ou aprendiz pode ser ampliado e alterado nessas conexões, como quando ele aprende um idioma, uma arte, outras formas de trabalho, outras teorias, outras culturas técnicas da mesma profissão em outros países, etc. Pensar a dimensão cultural da técnica e do trabalho e sua interpenetração com a cultura em geral permite, ainda, vislumbrar uma possível superação da divisão entre formação humana e formação técnica, formação intelectual e formação prática, por ajudar a evitar o desligamento do ato técnico das suas implicações sociais, éticas, econômicas,
ambientais. Isso porque não se pensaria mais a técnica como separada da cultura ou até mesmo como oposição à cultura, um modo de pensar (e agir) enraizado nas sociedades ocidentais há milênios (SIGAUT, 1987). Em suma, observando as dimensões até agora esboçadas, podemos inferir que a inserção do
sujeito aprendiz na cultura do trabalho (e em seus nexos com as “outras” culturas) representa, muitas vezes, uma exposição significativa e contextualizada a muitos dos desafios da cidadania. Com isso, avaliamos melhor o poder transformador da educação profissional para o sujeito. Isso vale tanto para o adulto que nunca teve a chance de receber uma formação técnica e passa a poder exercer uma profissão, empoderar-se tecnicamente, emancipar-se social, econômica e
culturalmente, quanto para o jovem, que tem a possibilidade de passar por experiências bem diversas daquelas que o ensino exclusivamente propedêutico (que apenas prepara para outra etapa formativa) oferece. Valeria, enfim, lembrar rápida e simplesmente de uma dimensão muitas vezes esquecida do
trabalho: o prazer. Se o trabalho pode ser árduo, penoso, ele é também uma fonte de prazer! Sem ele as pessoas adoecem (SIGAUT, 2009).
As considerações até agora apontadas são apenas indicativas de aspectos relacionados ao trabalho que realçam o valor da educação profissional. Outros aspectos mais problemáticos associados ao trabalho também merecem atenção (alguns deles abordados a seguir), mas não deveriam ofuscar completamente a importância do trabalho e da formação para o trabalho na sociedade.
Dimensão social do trabalho e da técnica
As relações humanas também incluem outros atributos que desafiam permanentemente o ser humano a superá-los: a dominação, a escravidão, a exploração do trabalho alheio, a concentração de riqueza nas mãos de poucos e a consequente carência da maioria, para citaralguns. O papel da Educação Profissional, ao formar para a técnica e para o trabalho, também é educar para a cooperação na superação dos desafios que as relações humanas vãodesenvolvendo ao longo de sua história (WOLLINGER, 2016).
A Educação Profissional tem, portanto, um duplo compromisso com seus alunos: preparar para o uso responsável e proficiente das técnicas de cada profissão e conscientizar para a participação na superação das injustiças sociais e econômicas que se abatem a cada período, principalmente pela valorização do trabalho e do trabalhador. Em várias culturas, as diferenças de remuneração entre atividades manuais, intelectuais e gerenciais são bem menores que as nossas, denotando o reconhecimento do valor das várias formas de trabalho e o estímulo no trabalhador a reconhecer o seu valor. Nossa herança colonial de sociedade escravocrata marcou profundamente nossa cultura com uma desvalorização do trabalho, especialmente o trabalho manual, por ter sido atividade de
escravos (ver autores como Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque de Hollanda, Gilberto Freyre, Roberto Damatta, entre outros). Lembremos que o Brasil teve a maior experiência de escravidão da humanidade, segundo Damatta, esse fenômeno marcou profundamente nossa cultura, estrutura social, religião, valores coletivos e individuais: trabalho é coisa de escravo, escravo não é gente, trabalho não é coisa de gente. Nos dias atuais, essas marcas culturais persistem em várias esferas. Na acadêmica, separa-se a formação do “intelectual” da formação do “trabalhador”, mesmo quando as formações universitárias são formações profissionais. Até mesmo em documentos de leis, diretrizes curriculares ou em várias outras partes da cultura encontramos evidências da desqualificação ou
da fuga das atividades manuais, “operacionais”, do trabalho braçal. Nos Institutos Federais, pode consolidar-se a compreensão, como é a de muitos outros povos, de que o trabalho, como exercício social da técnica, é a atividade que nos humaniza, que nos relaciona com o mundo à nossa volta, nos torna parte de um conjunto social, em que a contribuição de cada um, nas mais diversas tarefas, constrói o mundo em que todos nós vivemos.
Como contextualizar a Educação Profissional para a superação de nossa herança colonial? Qual a compreensão sobre técnica, tecnologia e trabalho na qual a Educação Profissional deve se fundamentar? Como construir um projeto pedagógico que reflita esse compromisso da Educação Profissional com a formação para o trabalho e para a superação das injustiças sociais e econômicas a ele relacionadas? São os desafios que acompanham a implementação da formação docente para a Educação Profissional, neste projeto. Outra constatação importante que deve ser feita sobre nossa composição social é a respeito da
escolaridade média da população e sua formação profissional. Segundo os dados do censo de 2010, quase metade da população acima de 25 anos não concluiu o Ensino Fundamental, o que representa quase 55 milhões de pessoas. Considerando-se aqueles que não concluíram o Ensino Médio, esse número sobe para mais de 80 milhões de pessoas no Brasil sem Educação Básica. A Constituição Federal, ao citar a Educação Básica (Artigo 208), diz que deve ser “assegurada
inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”. Esse é o desafio da Educação de Jovens e Adultos – EJA. A legislação que dá encaminhamento a essa determinação constitucional estimula que a Educação Básica seja associada à formação profissional, de forma a gerar uma dupla solução educativa para esse enorme desafio.
A formação dos Educadores de Trabalhadores
A formação de professores para a Educação Profissional deve considerar todos estes pressupostos na construção dos saberes a serem levados às salas de aula, oficinas e laboratórios, para a construção de um processo educativo transformador da vida daqueles que nele se inserem, seja no plano pessoal, com uma formação que permita ao egresso inserir-se no mundo do trabalho com sua contribuição laboral e reconhecimento profissional, no plano comunitário pela responsabilidade ética e ambiental em sua atividade técnica e no plano social com sua compreensão de que o trabalho é o responsável pela dinâmica da espécie humana, devendo ser reconhecido, respeitado e valorizado, desde o plano econômico ao plano cultural, como construção coletiva da existência de toda a humanidade. Sobre a Demanda de Professores para a Educação ProfissionalJá foram formadas várias turmas e docentes para a EP, desde o lançamento deste curso, cuja demanda ainda se manterá por longo período, especialmente pelo advento do Novo Ensino Médio, com seus diversos itinerários formativos, especialmente o quinto itinerário: Formação Técnica e Profissional. A oferta de Educação profissional, a partir da reforma do Ensino Médio, demandará grande quantidade de docentes para a EP, seja para os cursos técnicos ou para as qualificações que compõem o quinto itinerário formativo. A SETEC-MEC, para contribuir com essa demanda, lançou um curso para formação docente para a EP, em nível nacional, com 4.200 vagas, ofertadas em 120 polos de apoio presencial, através de um projeto que envolve o IFSC e o IFES. Este PPC é a referência do projeto, no tocante a carga horária, princípios e estratégias educativas. A Universidade Aberta do Brasil – UAB, está lançando edital para oferta nacional deste mesmo curso, para 3.800 vagas em nível nacional.
Estima-se que a demanda por formação docente para a EP, em Santa Catarina, esteja na casa de 10.000 vagas a serem ofertadas, seja para a rede federal, rede estadual, redes municipais e escolas privadas, além dos Serviços Nacionais de aprendizagem. O CERFEAD participa deste esforço formativo, cuja evidência é o constante preenchimento das vagas ofertadas desde 2016, quando foi lançada esta formação. Temos alternado os polos de apoio presencial, para atender às demandas locais de docentes para a EP, atendendo a todas as regiões do Estado. Este projeto foi escolhido pelo Ministério da Educação em 2019 para referência formativa de docentes para a Educação Profissional em nível nacional por distinguir-se das demais ofertas, pelas seguintes características:
● Fundamenta-se na epistemologia da técnica, como referencial teórico;
● Constrói-se a partir da análise da atividade docente da EP;
● Adota a Didática Profissional como prática pedagógica específica da EP;
Compreende a EP como campo de estudos específicos de saberes e fazeres.
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